segunda-feira, 6 de maio de 2013

50 TESES SOBRE ESCRILEITURA


Sandra Mara Corazza


2013 d.c.





Com um desejo ardente de trazer a verdade sobre a Escrileitura à luz, as 50 teses seguintes serão defendidas nas catedrais de WITTCAPESBERG, CHEPPENQUE e  VANNPÉDY, sob a presidência da necromanceira Warhammera Warga de Wolwea y WHASANSA, Mestra Trolla das Artes, MestrA Orca da Sagrada Misosofia, MestrA Uruka dos Heroscapers e Professora doutora Goblina de Comunicação Oficial das mesmas. Ela solicita que todos os que não puderem estar presentes para com ela disputar verbalmente, façam-no por escrito. E BEM ESCRITO.
In nomine domini nostri excelsi vocationem.
Amém.



LISTA DAS TESES


Abaixo sucedem as 50 teses:


1.  Práticas de Escrileitura, sem crer que um determinado tipo de leitura e de escrita, como o Científico, traz felicidade à humanidade. 


2.Tão rara como a paixão amorosa, a Escrileitura é região pantanosa para o mito narcísico, egos equilibrados e associação à verdade. 


3. A Escrileitura participa dos benefícios do próprio medo à autocatatonia complacente.  


4. A Escrileitura tem muita cautela com a auto-depreciação.


5. Como a Escrileitura não é realizada nem por amor nem por ódio, não se queixa nem dá queixa; não recrimina nem insulta; não se idealiza, desvalorizando outras escritas e leituras. 


6.As leituras e escritas diferentes da Escrileitura não são, por esta, julgadas como mais ou menos originais, adequadas ou produtivas; pois quem é que sabe se elas querem ser resgatadas da sua invalidade? 


7. A Escrileitura não vive o drama do relacionamento impossível com a escrita e a leitura originárias perdidas.


8. Liberdade da angústia, nas relações da Escrileitura com os precursores.


9. Citações, na Escrileitura, não são o resultado de melancolia mórbida.


10. Nenhuma necessidade de a Escrileitura atribuir autoridade ao texto ou à correlata identidade do sujeito que lê e escreve.


11. Assunção, pela Escrileitura, dos riscos de ler e de escrever; da perdição na infinita multiplicidade dos sentidos e das línguas; do abismar-se no sem-sentido; do silenciar definitivo da morte.


12. A graça da Escrileitura é destinar-se à falência interpretativa.


13. Para manter sua energia e tensão vitais, à Escrileitura interessam: a bossa, o compasso, a escada, a balança, a ampulheta, o sino, o caco, o morcego, o arco-íris, o quadrado mágico, oputto, o aqueduto, o trampolim, o spiritus phantasticus.


14. A Escrileitura possui uma natureza aérea, pneumática, plumária.


15. A Escrileitura se mantém apartada dos cânones explicativos e esclarecedores da leitura e da escrita científicas, impostos apenas aos anjos e aos mortos.


16. Age afirmativamente a Escrileitura que digere espumantes e sofre da emissão de ares; agem reativamente as leituras e escritas científicas, que totalizam um mundo referente, pacífico e ordenado.  


17. Semeada pelos Ministros e Vigias da leitura e da escrita científicas, a cizânia com a Escrileitura é como a vida: baixa e alta, triste e alegre, cheia e vazia, espiritual e material, divina e infernal.


18. A ciência da Escrileitura é só uma: a da criação críptica.


19. Preferindo hieróglifos, antes do que o logos, a Escrileitura extermina os atos de ler e de escrever moribundos.


20. Tanto mais interessante quanto menor for o dogma, a Inscrileitura só não é apupada pelos inducados da Inducação.


21. Sem abrigo natural, mobiliário confortável e decoração funcional, a Escrileitura habita o horror do desespero.


22. Possuindo duas faces, a Escrileitura as mantém voltadas para um nada de segurança.


23. A Escrileitura paralisa o gênio contemplativo.


24. Não parece ter sido provado, por argumentos racionais ou irracionais, que a Escrileitura tenha qualquer qualidade pela métrica ou pela estática.


25. Encontrando-se desprovida de função determinada, no contexto onde é lançada, de certeza da bem-aventurança e de harmonia entre os seus elementos, a Escrileitura é carente e excluída.


26. Por não encarnar nem exemplificar; mas, antes, por traduzir ideias; nem por isso, a Escrileitura fica dispensada de pagá-las com a própria vida.


27. Desde que é da função que nasce o órgão, livre é a Escrileitura da literalidade.


28. A Escrileitura incursiona e experimenta novos territórios, ao reler a tradição e reescrever a bagagem.


29. Equivocam-se aqueles que tomam a Escrileitura enquanto comissionada.


30. Se é que pode ser dito algo a seu favor, a Escrileitura é dispendiosa.


31. A maior parte do povo está sendo ludibriada pela escrita e pela leitura, autodenominadas científicas; e que são baratas, como todas as promessas.


32. A Escrileitura não aumenta o seu valor com o tilintar das moedas na bancada ou com a secreção da bile negra do prestígio científico.


33. Diante do tirânico juízo científico sobre as suas partes abjetas, que a rebaixa ou liquida, não há indicativos de qualquer contrição ou arrependimento da Escrileitura.


34. Serão condenadas por toda a Eternidade, juntamente com seus Mestres e Juízes, aquelas leituras e escritas salvas para publicação pelos Pareceres de Indulgência Científica.


35.  Os Pareceres de Indulgência remetem as escritas e leituras científicas à satisfação cristalina, ao perdão total e à salvação redentora.


36. Aqueles que ensinam a doutrina do texto científico não são os mesmos que exercem a lógica paradoxal ou da sensação.


37. Qualquer Escrileitura padece de clivagem na estrutura, em decorrência da culpa pecaminosa, que lhe é atribuída pelos Pareceres de Indulgência Científica.


38. A misericórdia distribuída pelos Pareceres de Indulgência aguça a consciência da Escrileitura acerca da sua situação anômala, declarada e assumida de antropófaga.


39. Até mesmo para os mais doutos leitores e escritores científicos é difícil exaltar, perante todo o povo, a liberalidade das indulgências, mesmo que argutas, dadas por seus Pareceres.


40. A Escrileitura desdenha a distribuição das indulgências científicas; e, mesmo, as odeia, quando há ocasião para tanto.


41. As indulgências, que asseguram publicação qualificada, são pregadas, por todas as comissões e comitês científicos, para que o povo as julgue preferíveis à Escrileitura.


42. A aquisição de indulgências inviabiliza a equiparação da Escrileitura às leituras e escritas científicas.


43. Dando textos aos pobres ou emprestando-os aos necessitados de Espírito, a Escrileitura procede melhor do que se comercializasse indulgências científicas.


44. Através da Escrileitura, cresce o amor aos textos e eles se tornam potentes; com as indulgências, o texto queda prisioneiro da obrigação de escrever e de ler cientificamente ou refém dos Pareceres.


45. Quem despreza a Escrileitura, para lidar e gastar com indulgências científicas, obtém somente a ira do povo.


46. Se a Escrileitura não tiver ideias em abundância, conservará só as necessárias para o texto; e, de forma alguma, desperdiçará recursos com as indulgências científicas.


47. A Escrileitura não compra piedade e não aceita clemência científica; por isso, não perde o temor de escrever e ler.


48. Antes de a Escrileitura acatar os interesses e critérios dos Comissários de Indulgências, prefere reduzir a cinzas o seu texto, em vez de edificá-lo com pele, sangue, carne e ossos.


49. Vã é a confiança na purificação da Escrileitura, por meio dos Pareceres de Indulgência Científica; mesmo que aquela desse a sua alma como garantia.


50. São amigos da Escrileitura aqueles que, outrora e hoje, esculpem palavras, ideias, imagens e signos; são seus inimigos todos os Profetas das Indulgências Científicas e os com eles condescendentes; os quais sejam excomungados e amaldiçoados por todo o sempre.




Oh, herege, para qual Escrita e leitura pendes?

Olha a força da injusta tirania científica sobre o século;
olha o desinteresse cruel pelo mundo artista;
olha a incapacidade de amar o perigo;
olha a inibição de toda atividade e sentimento de auto-desapego ; olha a força da claridade metódica sobre as coroas dos mártires intelectuais!
Deixa, escrileitor, simplesmente,
que leiam e se escrevam os teus textos!
E a Porta do Inferno, o Trono da pesquisa e o Sistema universitário nada poderão contra ti!